A história de Angola passará a ser contada sem remorsos depois da ausência de duas personalidades que muito contribuíram para o país que hoje temos, positiva e sobretudo negativamente. Estas pessoas são, obviamente, Jonas Savimbi e José Eduardo dos Santos.
Por Sedrick de Carvalho
O primeiro foi morto estupidamente em 2002 por militares sob orientação do segundo, numa acção onde, como parte da humilhação do homem, o corpo ensanguentado com a roupa interior foi divulgado pela imprensa estatal.
Quinze anos passados, compreendemos, sobretudo os jovens, que Jonas Savimbi não era o diabo que o regime angolano transmitia nas suas propagandas, tal como nem os militares da FNLA de Holden Roberto eram canibais. Savimbi tem a sua quota de males cometidos, não descuramos.
O segundo individuo continua vivo, ultimamente envolto numa ausência que dá azo a várias especulações. Recentemente renunciou ao longevo posto presidencial que ocupa desde 1979, e indicou como substituto alguém que durante anos mesquinhamente relegou ao anonimato político por ter manifestado vontade de o substituir.
Muitos acreditam que a decisão de se afastar da presidência se deve ao desgaste físico e psicológico causado pela pressão exercida ao longo dos anos por todos os que sempre contestaram o seu reinado ditatorial. Internamente também houve contestação, afinal, ainda que sempre na lógica de “lavar a roupa suja dentro de casa”. Ambrósio Lukoki é uma dessas pessoas que, cansado, decidiu demonstrar o seu descontentamento ao falar da “roupa suja” publicamente.
“O presidente do partido e chefe de Estado, registando uma impopularidade recorde, pelas suas desinteligências, conota o partido e arrasta na sua queda certos inocentes do MPLA”, disse Lukoki numa conferência de imprensa realizada na véspera do último congresso do MPLA, em Agosto de 2016. Quando diz “certos inocentes”, Lukoki está a ter o cuidado de apontar que no MPLA poucos são os inocentes, e que estes poucos estão a ser prejudicados pela falta de inteligência de JES.
E internamente a ditadura só tem claudicado dia após dia. Irene Neto, filha do primeiro presidente de Angola, duas vezes deputada pelo MPLA, renunciou ao seu lugar na lista de deputados ao próximo simulacro eleitoral. Pouco tempo depois, desfez-se em críticas interessantemente argumentadas sobre o excesso de poder e vassalagem atribuídos ao presidente da República.
Lamentando o facto de o Executivo ser um órgão unipessoal, Irene Neto, em entrevista ao Novo Jornal, apontou o esvaziamento da Assembleia Nacional da sua função orgânica – fiscalizar o governo – como uma das razões para não continuar naquele órgão que devia ser independente. Actualmente o parlamento é uma instituição “passiva e subalternizada”, sem “iniciativa e autonomia”.
A filha de Agostinho Neto só agora diz publicamente o que muitos têm dito sobre a concentração e centralização de poderes numa pessoa, classificando o regime que apoia pela sua bancada parlamentar e militância partidária de ser um “presidencialismo quase imperial” que “asfixia a democracia e desmantela os contrapoderes”.
A tentativa de eternizar José Eduardo dos Santos como presidente mediante o título de “Presidente Emérito” também mereceu repúdio da deputada. Após a morte do pai, Irene nunca ouviu ser discutido especificamente uma lei para acomodar a “Primeira Família Presidencial”, e lembrou que a ex-primeira-dama nunca usufruiu dum gabinete e salário e que a família “não dispunha de recursos financeiros próprios para assegurar a sua sobrevivência”.
É aqui onde notamos que a lei aprovada sobre o regime dos ex-presidentes surgiu simplesmente para blindar JES e sua família, completamente mergulhados na corrupção. E sobre família, Irene Neto afirmou ainda que “a nossa família nunca esteve envolvida em práticas imorais ou ilegais”, mas o mesmo não poderá dizer a “Segunda Família Presidencial”.
E na sequência do reposicionamento discursivo, João Melo, militante e deputado pelo MPLA, escreveu um artigo no hegemónico Jornal de Angola onde aponta que “José Eduardo dos Santos não é nenhum deus” e que “também cometeu erros”. O texto tem como ponto central as propostas de leis que têm sido levadas à Assembleia Nacional pelo partido do qual é membro, nomeadamente, lei sobre o regime dos ex-presidentes e das chefias militares.
Adiantando que “lealdade não tem nada a ver com simsenhorismo”, Melo discorda das “soluções administrativas e legais supostamente destinadas a preservar o legado do presidente”, mas faz a crítica sem qualquer estardalhaço, numa táctica subtil que faz lembrar o rato que rói e sopra. E no artigo mais sopra. A parte introdutória do texto é tão longa que parece estar bastante preocupado em preservar alguma coisa.
É preciso descer aos três últimos parágrafos para perceber o que pretende o também escritor. Melo transmite a ideia segundo a qual as leis em questão são da autoria de “´fiéis e leais´ que dizem que defendem o presidente” e não uma iniciativa do próprio. Ou seja, nesta altura José Eduardo não é o Chefe Supremo Disto Tudo e que há indivíduos “preocupados apenas com os seus interesses. Deles”. Ora, se não fossem da iniciativa de JES, não estariam a ser aprovadas após a onda de repúdio público e que seguramente tomou conhecimento, isto se não está efectivamente doente como se especula.
Porém, o certo é que João Melo coloca-se contra os seus camaradas que aprovaram a lei sobre o regime dos ex-presidentes e também contra a proposta de lei que visa manter as chefias militares por oito anos ininterruptos, retirando a possibilidade ao novo presidente – mais uma vez mediante simulação eleitoral – de ser Comandante-em-Chefe efectivo.
O dinheiro está a escassear. A Sonangol tem apresentado sucessivamente resultados negativos, apesar das contas mágicas que Isabel dos Santos tem feito, como frisa Rui Verde. A máfia começou a desmoronar, e que Ambrósio Lukoki e Irene Neto influenciem outros camaradas a reposicionarem-se, e não com meias palavras.
Todos falam, opinam mas ninguém é vidente o suficiente para saber quais as razões, por isso tentam adivinhar para ver quem irá dizer o que eles querem saber!
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